quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

O MOÇO DO MANTO MARRON, de Sandra Borba Pereira

O Evangelho é fonte inesgotável de ensinos e exemplos, tendo em Jesus seu protagonista máximo. Debruçado sobre suas palavras, o leitor encontrará esclarecimentos e consolações, ao mesmo tempo em que achará, nas incontáveis personagens da Boa Nova, a motivação, a lição, o ideal concretizado pelo testemunho no Bem, ao contato com o Mestre.
Surgem também, nos textos evangélicos, figuras anônimas como o moço rico, os amigos que auxiliaram o paralítico a descer pelo telhado, a mulher samaritana, dentre outros.
Uma dessas anônimas personagens encontramos na seguinte passagem:
Disse-lhe João: Mestre, vimos um que, em teu nome, expelia demônios, o qual não nos segue; e lho proibimos. E disse Jesus: – Não lho proibais, porque não há nenhum que faça milagre em meu nome e que possa dizer mal de mim.
Porque quem não é contra nós é por nós. (Marcos, 9:38 a 40.)
Destacamos nesta passagem a ponderação lúcida e profunda do Cristo. É a superação dos rótulos alargando os horizontes intelectuais e culturais dos discípulos, num exercício de busca de princípios essenciais que estão acima das particularidades, das circunstâncias pontuais. Quem era esse homem? Os evangelistas não o identificam por nome, raça ou qualquer outro indicativo que não a sua corajosa decisão de servir ao próximo, em nome de Jesus.
A literatura espírita mediúnica nos presenteia com algumas profundas e doces revelações a respeito do anônimo servidor de Jesus. A fonte dessa revelação é a mediunidade de Yvonne do Amaral Pereira, na obra Ressurreição e vida,1 publicação da Federação Espírita Brasileira, com autoria espiritual de Léon Tolstoi, escritor e reformador religioso, nascido na Rússia.
O autor espiritual designará o referido discípulo anônimo tão somente como o Moço do manto marrom, apesar dos vários questionamentos que apresenta sobre sua raça, aspecto físico etc.
Interessam-nos, especialmente, suas características morais e atitudes, as quais o referido autor nos apresenta a fim de colhermos lições de vida abundante.
O Moço seguia o Mestre, relata-nos Tolstoi, por onde Ele andasse, ouvindo avidamente e registrando em papiros ensinos e relatos que seriam exaustivamente lidos, meditados.
Certo dia, afirma, quando da cura da filha de Jairo, o Moço, ao acompanhar os fatos em meio à multidão que se acotovelava na propriedade, teve seu rosto tocado pelo manto de Jesus. Ele o beija com adoração. Nesse momento, o Mestre se volta para ele e seus olhares se cruzam enquanto o Senhor o abençoa pondo a mão sobre sua cabeça.
Acrescenta Tolstoi que, após a advertência do Mestre, João voltara ao contato com o Moço e lhe afirmara a confiança que Jesus depositava nele. Com seu alaúde e seu pífano, passa a cantar e contar a história “do Príncipe que desceu dos Céus para amar os homens sofredores…”, atraindo crianças, jovens e adultos e prossegue curando as dores físicas e libertando os obsidiados.
Um dia, em sonho, após as dores do Calvário, Jesus lhe aparece dizendo da necessidade de focar suas ações mais na educação das almas que na cura dos corpos.
Anos se passam e o Moço do manto marrom desenvolve, ali e acolá, sua ação evangelizadora, distribuindo até mesmo cópias de seus registros para os que considerava, de fato, convertidos ao Evangelho. Serviço completo!
Mais tarde, até em Roma se viu um velhinho, o Avozinho do manto roto, tocando pífano e alaúde, divulgando os ensinos de Jesus. Quantas lições!
A história do Moço do manto marrom leva-nos a estabelecer algumas analogias com a ação de centenas de evangelizadores espalhados no Brasil inteiro e alhures, na tarefa quase sempre anônima, sem vitrine, mas de profunda significação para hoje e para os dias futuros.
Ser tocado pelo Senhor – Semelhantemente ao Moço do manto marrom, o evangelizador é alguém que precisa ser “tocado” pela mensagem do Mestre, internalizando passo a passo os valores e os ideais do Evangelho, para vivenciá-los.
Aceitação do chamado para o serviço – A assimilação do conteúdo evangélico doutrinário não pode ser passiva. É preciso compreender a dinâmica que o Evangelho propõe a todo aquele que lhe bebe a água viva do esclarecimento e da consolação. Não basta saber, é preciso agir de modo transformador.
Integração com as comunidades – O Moço do manto marrom buscava se informar dos costumes, linguagens e interesses dos ouvintes, sendo bem acolhido principalmente por crianças e jovens. Igualmente, o evangelizador é alguém que deve conhecer o público junto ao qual desenvolve sua ação, para ter maior e mais profunda clareza quanto à forma de atuar.
Uso de técnicas e recursos aliado ao estudo e ao sentimento – O autor espiritual destaca, na apresentação do discípulo anônimo, seu interesse em registrar os ensinos e fatos tendo Jesus como a figura central. O estudo e a meditação, o uso de recursos como a poesia e o canto, a música e a narrativa, eram regados pelo sentimento de amor dedicado a Jesus. O evangelizador consciente sabe que deve buscar o conhecimento evangélico e doutrinário, desenvolver habilidades comunicativas e fazer uso da arte, de recursos didáticos, da relação afetuosa. Daí a necessidade permanente do estudo e da pesquisa, da oração e da preparação espiritual, da organização do processo de ensino aprendizagem, para o alcance dos elevados objetivos da evangelização.
O trabalho anônimo – O discípulo anônimo do manto marrom não buscava o aplauso ou sequer exigia integrar o grupo que de mais perto acompanhava Jesus. Bastava-lhe saber que o Mestre nele confiava. Assim devem ser os tarefeiros da evangelização: trabalhadores anônimos que não buscam o “destaque”, mas que realizam, silenciosamente, o serviço que o Pastor sublime lhes confiou.
[…] Será bom que te dediques também a educar corações e caracteres para os meus serviços do futuro, que abrangerão o mundo inteiro através das idades… […]2
Consciente da condição de colaborador do Mestre na obra de redenção da humanidade, o Moço do manto marrom assumiu seu compromisso de divulgar a mensagem de Jesus. Cooperadores do Senhor, somos, os evangelizadores de hoje, chamados a seguir-lhe o exemplo de compromisso com a educação moral nossa e das novas gerações: Espíritos imortais destinados à perfectibilidade.
1PEREIRA, Yvonne do A. Ressurreição e vida. Pelo Espírito Leão Tolstoi. 11. ed. 5. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. cap. O discípulo anônimo, p. 69 a 90.
2PEREIRA, Yvonne do A. Ressurreição e vida. Pelo Espírito Leão Tolstoi. 11. ed. 5. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. cap. O discípulo anônimo, p. 79.